Juiz suspende tribunal étnico-racial após aluno se declarar pardo

A universidade havia obrigado o acadêmico, que está no curso de medicina há cinco anos, a comparecer na Comissão de Heteroidentificação

Da Redação

O juiz Hiram Armênio Xavier Pereira, da 2ª Vara Federal de Mato Grosso, determinou que a Universidade Federal (UFMT) suspenda imediatamente a Comissão de Heteroidentificação, com relação a averiguação da condição de pardo de um estudante que está matriculado no curso de medicina.

Em mandado de segurança, os advogados Fernando César de Oliveira Faria e Diego Renoldi Quaresma de Oliveira destacaram que muito embora discutível a admissão de controles sobre autodeclarações, deve prevalecer o critério da autodeclaração da identidade nos casos de alunos selecionados por concursos vestibulares cujos editais não previam a regra da heteroidentificação, em respeito ao princípio do pacta sunt servanda.

Eles mencionaram que a norma utilizada pela UFMT foi editada posteriormente ao ingresso do estudante, que se deu no primeiro semestre de 2016, o que violaria a segurança jurídica, o direito adquirido e o ato jurídico perfeito.

Os advogados também frisaram que “ainda que a Administração possa – e deva – investigar fraudes, é certo que tal investigação encontra limites em outros postulados que regem a atividade administrativa”.

Ao atender o pedido liminar, o magistrado salientou que “a segurança jurídica (e seus consectários direito adquirido, ato jurídico perfeito, coisa julgada) é um dos pilares do Estado Democrático de Direito. Isso porque, sem segurança, não há confiança, nem estabilidade das relações sociais, o que fragiliza o pacto social e sua teia de relações”.

O juiz afirmou que admitir que a UFMT invalide o ingresso do anos, após cinco anos do início do curso, “seria contrário à eficiência e economicidade na aplicação dos recursos públicos, na medida em que todo o recurso empregado na formação do profissional médico pela Universidade Pública seria inutilizado, em frustração à sua própria expectativa”.

O magistrado concordou com os advogados de que na época do processo seletivo o qual submeteu o estudante, não havia a previsão da etapa de heteroidentificação, mas apenas a autodeclaração.

“Desta maneira, se o edital é a lei do concurso e vincula as partes – candidato e Administração Pública, frise-se –, submeter o candidato a uma comissão de heteroidentificação viola o princípio da vinculação ao edital, vários anos após concluído o processo de ingresso”.

Miscigenação

Na decisão, o magistrado pontuou que “o Brasil é um país marcado por alta miscigenação, fruto do processo de colonização e prolongado período escravagista que marcaram a história nacional, sendo com frequência imprecisa e subjetiva a caracterização do pardo. Tal subjetividade representa agravado risco à segurança jurídica não apenas do impetrante, mas de todos os beneficiários do sistema de cotas, que ficariam à mercê de verificação racial posterior à regular admissão no exame vestibular. E tal estado de insegurança não coaduna com a estabilidade necessária ao bom desenvolvimento acadêmico”.

Por fim, verificando a relevância e a urgência do fundamento, o Juízo Federal concedeu a liminar para dispensar o estudante de comparecer à Comissão de Heteroidentificação no âmbito da UFMT, sem que isso comprometa qualquer de suas atividades acadêmicas.


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